terça-feira, 28 de agosto de 2007

O Fundo do Poço

Uma das melhores escolas da vida é o tão temido fundo do poço.

Somente quando você cai...se esfola, se quebra lá embaixo, sente o cheiro fétido da podridão, se alimenta dela...quando você se vê parte da escória humana....somente assim você pode dizer que viu e sentiu de tudo.

O orgulhoso, o vaidoso,o egocêntrico verá seu espelho partir, verá que não passa de um mero humano.

Enxergará a própria condição frágil de ser humano.O sabor da condição humana.

Se ele se achava superior, verá que há grande semelhança entre eles e os outros: o sofrimento, a decadência, a fragilidade, a vulnerabilidade.

Se em contrapartida ele se achava inútil e pequeno demais, verá ao provar da podridão que pode ser muito mais, que é muito mais que aquilo.

Alguns costumam ficar muito tempo, precisam se sujar muito até perceberem onde estão...e que ali não é pra ser definitivo.

Outros mal tocam na sujeira e já sabem que precisam sair.

Muitos caem muitas vezes em vários poços.

E quantas cordas jogam para os decaídos?

E quantos tolos inocentes acham que esse é o modo de sair?

Sobem na corda...e lá do alto ela se rompe.

Porque ninguém sai do poço com ajuda ou dependência de uma corda , de alguém.

Sair do poço requer que você crave suas unhas na parede e se erga.

Que você abra os braços e escale, que se esfole...que a carne viva apareça, que o sangue escorra, que o suor arda.

Sair do poço é um dos melhores gostos que um ser humano pode provar.

Ver a luz perto,engolir a dor, a preguiça, o desânimo, o choro, a angústia...o que for...engolir, digerir e transformar em força para subir mais e mais.

As vezes você volta a cair lá de cima.

É provável que joguem muito lixo no seu buraco.

Nada disso importa.

Tudo vale o sabor de sair de lá.

É melhor do que muitos prazeres da vida.

E vicia , escalar vicia.

Seja o poço...seja a montanha que se ergue depois que você sai.

E você passa a ver tudo com outros olhos.

O Pôr-do-sol.

O escuro não amedronta mais quem já esteve no buraco.

Quem perde tudo.

E o nascer do sol se torna singular.

Cada nascer é único.

E sua vida passa a ser subir e subir.

E se você cai, se te jogam no chão , no buraco.

Você sorri, cheira a podridão com coragem, saboreia o gosto do fim do mundo.

E sobe.

Não há nada mais a perder.

Não existe nada melhor do que saber que você é ninguém , que você sabe nada , que suas crenças e sonhos eram ilusões , que o mundo não é o que vocÊ pensava , que as pessoas não eram o que você acreditava ser, que sua sabedoria não vale muito...que você nada sabe.

''Só sei que nada sei''.

Isso é ser humilde.Ou você é...

ou o buraco te ensinará a ser.

A ser nada.

Porque só do nada que se constrói algo...

Só quem morre pode nascer.

E não há nada melhor do que isso.

Isso é uma das faces da felicidade.


Subverta sua própria condição.


[ Para um amigo que se encontra agora lá no fundo.Para vários amigos que estiveram lá...para quem ler.Para que eu nunca esqueça nos lugares por onde andei.]

3 comentários:

Bruno Portella disse...

Acredito no fundo do poço e acredito na grande maioria das suas palavras. Mas acho que falte aí uma perspectiva diferente.

O renascimento é algo curioso, e escalar esse poço nada mais é do que crescer novamente, alcançar a maturidade ralandos suas unhas na parede ou rasgando seus punhos na corda.

... disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
... disse...

É, não é a toa que a melhor fase literária de Oscar Wilde foi quando ele visitou o tão bem definido fundo do poço...
;D