domingo, 5 de julho de 2009

Bastidores

E nos bastidores de toda a história...ela timidamente omite uma outra ferida....uma outra chaga , mais ardente talvez...e menos digna , menos bela....que ela carrega sem honra alguma...
São chagas mais ocultas...pouco explícitas...talvez apenas aos olhares mais atentos...talvez essa seja tão específica que só os que compartilham feridas semelhantes podem identificar um ao outro.
Ela abre lentamente a blusa de botões madre-pérola....e colocando a mão sobre a pele branca...ela indica a ferida....no peito , mais a esquerda. Então ela abre a costela e desnuda um horizonte vermelho e úmido....e lá no centro...ela indica com os dedos os restos de um coração que fora deveras apunhalado...cena dura demais aos olhos. Ela entenderia o repúdio à cena...então pede que feches os olhos...segura delicadamente sua mão direita....e leva à sua bomba cardíaca falida...que , no entanto , mesmo machucada , bate rapidamente , fortemente...ela o faz acariciar esses restos machucados...faz com que toque duas grandes feridas meio abertas e meio cicatrizadas...e muitas outras cicatrizes alvas...todas elas feitas por sinceros punhais escondidos por detrás de olhos amenos e agradáveis...por detrás de palavras sinceras....por isso agora ela tem medo de palavras , medo de olhares carinhosos...medo de toques de desejo...de beijos molhados...
Bem-vindo às feridas vergonhosas e amargas. Pois existem as feridas dos honrados pela vitória sobre a batalha da condição humana....eis que existem também os feridos com vergonha das lágrimas nos olhos e horas passadas em vão..pensamentos noturnos e perguntas sem respostas.
Porém...ela aprendeu a suportar essa dor com uma falsa dignidade...falsa porque por vezes essa dignidade some no escuro da noite , sobre a solitária cama e sob cobertores espessos...então ela despensa a dignidade e assume a vergonha de ter naufragado como uma criança e deixado que fizessem feridas em seu pequeno coração de menina...
Mas ela é da raça dos insensatos , da raça dos que costuram as próprias feridas...fecham as costelas e olham para o horizonte como se fosse novo...e caminha por entre campos de flores com alegria no olhar..respirando este perfume doce...e imaginando quando aquelas marcas também se tornarão flores...
E ela volta a acreditar em olhares e em palavras.
Pois ela a cada dia aprende não a não naufragar....e sim a se afogar com dignidade.
...falsa? sim...
Mas tudo que repetimos várias vezes pode tomar o caráter de verdade.

Ela às vezes sente dificuldade de respirar.
Mas possui um ser tão forte e convicto que sabe como carregar a si mesma , suas feridas ocultas ou não , seus dramas e tragédias e comédias...seu ser carrega com vitalidade.Mesmo que caia uma vez ou outra.Ela assume as conseqüências de existir com honra.

Liege Simon Adjuct

Um comentário:

Anônimo disse...

Que bonito! Os seus textos parecem com sua respiração, Lie. Intensos, trôpegos, velozes...