quarta-feira, 16 de julho de 2008
Nas linhas de sangue
Foi naquele momento, que seu corpo parecia ter virado vidro...não! Era sua alma que era de vidro...e ela ficou com o corpo aberto por alguns anos, vou contar como ela abriu o corpo em breve, continue lendo apenas...
Com o corpo aberto ela foi tomando as pedradas direto na alma, no vidro, no espelho.Não havia mais proteção, o vidro era forte, resistiu, balançou, caiu faíscas , pedaços, buracos...e sua estrutura foi ficando decadente...pedaços sustentavam pedaços, e um dia...uma pequena pedra que veio aleatoriamente destruiu o alicerce que ligava os pedaços moribundos...
[ tudo começou com uma coisa simples ]
Foi uma cena única.
Uma alma despedaçando.Desmoronando encima do corpo.
Foram pedaços de vidro para todos os lados, e a maioria cravando na pele desse corpo...
Tudo desmontou como aquelas estruturas de lego vagabundo.
Os ossos desmontaram enfiando pelos órgãos, empalando cada pedaço...
Eu nem falo da parte do sangue, que jorrou como uma cachoeira.
[ as coisas simples destroem, são pedrinhas que fazem a diferença ]
Ficou aquele monte de carne fresca, ossos quebrados e vidro, muito vidro...espelhos, cada parte refletindo algo daquela alma.
[ Esse facto não é tão incomum assim , muita gente se parte de alguma maneira ]
Os dias passaram.
A carne começou a ficar podre, os urubus sentem o cheiro, se aproximam.
Até que o ser quebrado, falido...começou a pensar, seu cérebro tinha apenas um caco de vidro e um pedaço de osso.Mas funcionava. Ela pensou...e começou a se esforçar...ela tinha que se montar, se costurar.Não havia linha...ela então se lembrou dos bons tempos, dos seus amigos, das pessoas que ela amava, das pessoas que valiam a pena, então...surgiram belas linhas coloridas...de seus ossos ela fez uma agulha...já tinha tudo que precisava.
[ Vocês são minhas linhas. ]
Mas tinha que separar os ossos.
Tirar os cacos de vidro da pele.
Montar os ossos
Costurar a pele.
[ ela sabia fazer isso tão bem , quantos corpos alheios ela já havia costurados, ossos , montado...
ela sabia muito bem de salvar coisas alheias. Agora ela estava num deserto...não havia ninguém , só urubus...muitos.Ela tinha que se salvar sozinha. ]
Foi assim que começou...tomou coragem, tava doendo tanto...
E a noite dos desertos são frias.
Ela começou a gritar muito.Todos os dias.
Mas isso atraía os urubus e as pessoas se incomodavam em ver sua agonia.
[ Quem gosta de ver nos fragmentos partidos do espelho de uma alma quebrada seu próprio rosto o julgando, acusando sua negligência, sua culpa, e principalmente, seu próprio estado decadente...ninguém gosta de ver um estado eminente.Ninguém gosta de sentir responsabilidade pelo estado dos outros.]
Ela então parou de gritar.
A primeira coisa que costurou foram seus próprios lábios.
Com belas linhas brancas.
Quando queria gritar ou chorar ela enfiava a cabeça num balde que deixaram perto daquele escombro orgânico, já que ela chorava tanto , molhava tudo...o balde seria útil, ela chorou lá dentro.Quando queria gritar enfiava a cabeça na água salgada e movia os lábios nas linhas e emitia um som gutural...assim ninguém ouvia.
Ela também bebia aquela água. Era a única que tinha, amarga, salgada, suja...
Ela aprendeu a dar valor a cada lágrima e ver que cada gota era um segundo de vida que surgia, que lhe dava força para fazer o que deveria fazer...
[ Save yourself ]
Então começou a tirar os cacos de vidro da pele, da carne...
E gemia, gritava em silêncio.Chorava.Bebia.
Tirava aquele pedaço de seus pulmões...
costurou sus intestinos, as pernas...os músculos, tudo cheio de cicatrizes.
Mas depois de limpar tudo e tirar os ossos e espelhos...ela percebeu que três coisas tinham se perdido e ficaram inutilizadas.
Sua alma. Se tornou um monte de pedaços de vidro espelhado com momentos tristes, os felizes se tornaram a linhas coloridas que agora cobriam cada ferida.
Ela não queria aquela alma mais.Sem brilho, sem amor, sem fé.
Seus ossos, também quebrados , fracos...
Seu coração.Onde o maior pedaço de vidro e osso havia se enfiado...deixando-o impossível de costurar, virou uma sopa de pedacinhos de músculo...não batia mais.
Esse ela jogou para os urubus. Eles, agradecidos lhe deram um par de asas de presente, ela colocou no lugar do coração, e estas asas negras começaram a bater bombeando seu sangue...
O sangue que ela conseguiu recuperar, que as pedras do solo devolveram por compaixão...que os cactos absorveram e por virem seu esforço dera-lhe de volta, só suficiente para que tudo voltasse a circular. Um novo sangue viria limpando o fedor do velho podre e oxidado.
Seu coração fora destruído e seu amor havia se espalhado pelo deserto.
Ela amava os urubus, as pedras, a areia, os escorpiões, as cobras, os cactos.
O sol que ajudou a secar as feridas.
Ela passou a amar o deserto...e sabia que por ele havia muitos ossos de animais mortos.
Ela então passou a rastejar pelo deserto como as cobras lhe ensinaram, a procura de ossos...para se montar, e levantar.
E ela foi achando aos poucos.
Quantos dias ela chorava por não agüentar mais.
Mais um pouco...rasteje.
Ela encontrou pedaços e pedaços de ossos, e juntava.
Um dia conseguiu o que dava para montar um esqueleto inteiro.
E engoliu cada pedaço de osso.
Eles foram tomando os lugares vagos...e ela sentiu que já tinha uma estrutura.
Pela primeira vez ficou de pé.
Agora faltava achar sua alma.
Criar...
E quem sabe um coração de verdade, dai quem sabe aquelas asas pudesses ir para suas costas, e ela poderia voar.
Ela era agora apenas um corpo fechado, costurado com toda força do mundo com linhas coloridas.
Refeito por si mesma, pela dor de tirar cada dia ruim, cada mágoa.
Apenas havia cicatrizes.Ela nunca esqueceria.
Seus lábios ainda eram costurados...mas sorriam. Os olhos sorriam.
Muitos dos que passavam achavam um horror aquela figura.Achavam-na triste...
Era apenas as marcas.Talvez a falta de uma alma e um coração.
Mas ela era feliz, feliz por orgulho a sua força, por ter uma busca.Por mesmo sem ter coração ou alma, ela ainda preservava virtudes.
Ela ainda amava as coisas todas.
Ela preservou o respeito, o carinho, a compaixão...coragem, força de vontade.
Aprendeu a dar valor a todas as coisas e situações.
Sempre que via um corpo quebrado, ela lhe ensinava como criar linhas...e sempre tinha agulhas feitas daqueles ossos inúteis, ela fez muitas agulhas.E dava a estes corpos, tava alguns pontos e dizia em silêncio : salve-se. Sorria com os olhos.Limpava as lágrimas sempre...bebia-as...aprendeu a saborear as lágrimas.
Ás vezes encontrava corpos desmaiados...ela não conseguia deixá-los lá...costurava-os escondido. Ia embora em silêncio.
Ás vezes ela só estava lá para beber as lágrimas de gente que temia tanto chorar...
E algo começou a nascer dentro de seu corpo...sim, aquelas lágrimas...ela bebia, por amor, compaixão, por entender a condição humana...elas se condensaram e começaram a dar origem a uma minúscula pedra que era a origem da sua nova alma.
Não pense que foi das tristezas alheias que este ser criou a semente de uma alma, e sim de compartilhar a condição sensível e frágil de cada pessoa.
Via a leveza após a enchente.
E ia embora sempre em silêncio.
As vezes ela pensava em romper as linhas que havia em seus lábios.
Mas não...alguma coisa dizia que seu silêncio era melhor.
As vezes ela pensava em um coração.
E uma lágrima escorria em seus olhos.
Ela sabia que coração era o mais difícil.
Durante os dias ela gostava de aprender coisas novas e se superar sempre, sempre na solidão.
Aprendera a conviver com ela.No silêncio.
Durante a noite era o mais difícil...parece que o frio do deserto nunca a abandonava, ela sentia um frio que nunca passava...as noites eram mais agonizantes, o frio lembrava dos momentos difíceis...
Ela abraçava seu corpo e prometia a sí mesma nunca mais se abrir para que sua alma fosse apedrejada.
Alí dentro ninguém entraria.
Nem mais ouviria sua voz.
[Mal sabia ela que por isso sentia tanto frio.
Que ela precisava era construir uma alma inabalável.
Um coração resiliente...
E saber cantar.
O calor viria apenas assim...quando deixasse que abrigassem junto com suas costelas.]
Rette Mich...
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4 comentários:
A menina que costurava almas. Sabe, acho que nunca me recuperei da sua falta. Convivi tão pouco contigo, mas deixou-me um buraco enorme no peito. Não por ter-me acostumado a ti. Mas justamente por não ter tido tempo para isso. Pelas conversas não tidas, pelos sorrisos não compartilhados, pelos segredos não revelados, pelas poesias não escritas. Sinto falta da Liege que não tive. Pelo menos, sabendo disso, eu sei que você não vai sumir. E foi bom ter costurado um pedacinho de você, afinal assim você nunca vai poder me mandar embora também...
(Tata que postou...) ;)
É uma história triste com final feliz? Queria eu saber desenhar, para colocar em papel a imagem que formei da historia na minha cabeça. Carne, mas como se fosse uma boneca de pano, com os labios esboçando um leve sorriso e os olhos ardendo com vida. E me alegra saber que sou um pedaço de linha que te ajudou a se costurar e, enquanto tu tiver essa vontade de seguir em frente, prometo não romper! ;)
Posso não ser um amigo presente, como gostaria de ser. Posso não ser os abraços que prometo e que não posso te dar. Posso ser as inúmeras facetas de uma criatura que eu gostaria de ser para você, e não ser nenhuma delas.
Mas você me tornou algo que eu jamais pensaria em ser, que eu jamais almejei ou pude pensar em querer ser seu - linhas, veias, parte do seu corpo, parte daquilo que te mantém viva e forte.
Fico emocionado com isso Liege, e espero que nunca tenha dúvidas que esta linha que representa a minha paixão por você, essa linha não vai se quebrar, pelo contrário. Torna-se forte quanto mais o tempo corre - e já não é de hoje que sou seu fio, mas não sabíamos, não é?
Te adoro.
Por mais de uma vez, menina, você, junto de algumas pouquíssimas pessoas foram fios para que eu me construísse. Fico feliz de estar na sua prateleira de carretéis.
Mais uma vez, te adoro.
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